Freqüentemente, nos referimos às Instituições
Públicas, Órgãos Federais, Estaduais ou Municipais, Programas do Governo, etc.,
pela suas siglas, sem saber exatamente de que tratam e qual é sua função. Há já
algum tempo que ouvimos falar e vemos nos meios de comunicação referências a
recursos e decisões tomadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em assuntos de vital
importância na vida institucional e política da República. O último episódio da
mais absoluta relevância foi a condução no Senado do julgamento do impeachment
da Presidenta Dilma Rousselff pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal,
Ministro Ricardo Lewandowsky. Mas afinal, qual é a função do STF e quais suas
competências? Segundo a JusBrasil, uma plataforma que contém a maior base de
dados jurídicos do Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) é a mais alta
instância do Poder Judiciário do Brasil e acumula competências típicas de
Suprema Corte (tribunal de última instância) e Tribunal Constitucional (que
julga questões de constitucionalidade independentemente de litígios concretos).
Sua função institucional fundamental é de servir como guardião da Constituição
Federal de 1988, apreciando casos que envolvam lesão ou ameaça a esta última.
Uma vez esclarecida, sucinta, mas objetivamente, qual
é a função fundamental do Supremo Tribunal Federal, a próxima indagação diz
respeito a como é composto o STF. O artigo 101 da Constituição Federal, diz:
Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze
Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de
sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Como vemos, a Constituição nada diz em relação ao
critério de escolha dos Ministros do STF. Assim, não haveria nenhum impedimento
para que o Senado ou o próprio STF indicasse os candidatos que seriam
sabatinados pelo Senado. De fato, a maioria dos cidadãos, inclusive eu até
realizar esta pesquisa, imagina que o cargo de Ministro do Supremo Tribunal
Federal é um posto alcançado por mérito após uma longa e excepcional carreira
jurídica. De fato, em geral a maioria dos Ministros tem uma brilhante carreira
jurídica, mas, no Brasil tradicionalmente a indicação é feita pelo Presidente
da Republica, tendo o Senado abdicado desta importante prerrogativa, que seria,
inclusive, muito mais democrática. Assim, o Presidente indica, o Senado aprova
e o Presidente nomeia. Esse sistema tradicional de escolha dos Ministros do STF
tem duas falhas gravíssimas. Em primeiro lugar, não há nenhuma garantia de
que os Ministros escolhidos sejam realmente os mais aptos para o cargo.
Oportuno ressaltar que para ser Ministro do STF, de acordo com a Constituição,
o candidato não precisa ser bacharel em Direito, pois embora não seja comum, é
possível que alguém com notório conhecimento jurídico possa vir a ser nomeado
Ministro do STF. Em segundo lugar, sendo os Ministros do STF nomeados pelo
Presidente da República, é evidente que os escolhidos serão juristas da mais
absoluta confiança e lealdade para com o Presidente da Republica, ao qual
deverão ficar eternamente agradecidos por terem sido escolhidos para o mais
alto cargo da magistratura brasileira. Foi exatamente essa a ideia que Lula
expressou quando numa conversa gravada com o advogado Luis Carlos Sigmaringa, o
ex-Presidente se queixou da “ingratidão” de Rodrigo Janot, Procurador Geral da
República nomeado por Dilma em setembro de 2013, por ele ter recusado quatro
pedidos de investigação de Aécio Neves e ter aceitado o único pedido de
investigação da L.I.L.S. Palestras, empresa da qual Lula detém 98% das ações.
Na época, embora se declarasse publicamente inconformado com as declarações de
Lula, o Procurador Geral da República se manifestou, em 28/03/2016, FAVORÁVEL à
validação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da nomeação do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva como ministro-chefe da Casa Civil. Entretanto, poucos dias
depois, em 04/04/2016, devido a repercussão negativa na opinião pública de sua
decisão, Janot voltou atrás e recomendou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a
anulação da nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa
Civil.
Eu fiz essa detalhada, porém tediosa introdução, porque na última
quarta-feira (31 de agosto) o Senado votou pela cassação do mandato
presidencial de Dilma Rousseff por um placar de 61 votos a favor e 20 votos
contra. Sendo o Senado o encarregado de julgar o impeachment, a decisão do
plenário é soberana e definitiva, portanto, irrecorrível, certo? Errado. O
processo de impeachment ainda não acabou. No dia seguinte à cassação do mandato
da Presidenta, a defesa de Dilma Rousseff entrou com um mandado de segurança
junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionando alguns pontos do processo
de impeachment e pedindo sua anulação. O recurso impetrado por José Eduardo
Cardozo, responsável pela defesa da ex-Presidenta, pede a anulação de todo o
processo alegando falta de justa causa para o impeachment. O relator do recurso
será o Ministro Teori Zavascki. Agora sim chegamos realmente ao momento
decisivo do longo processo de impeachment, porque a Presidenta Dilma Rousseff
certamente já planejava, desde o início, recorrer ao Supremo Tribunal Federal,
caso fosse realmente destituída do cargo. Essa foi a principal razão para
adotar como principal linha de defesa a tese do “golpe constitucional”. Agora a
questão está nas mãos do Ministro Teori Zavaschi, que certamente irá submeter a
decisão ao plenário; ou seja, aos onze Ministros do Supremo Tribunal Federal. E
ai surge uma pergunta crucial, do ponto de vista de vista jurídico. Qual é o
grau de imparcialidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal para julgar um
recurso impetrado pela ex-Presidenta Dilma Rousseff? Para esclarecer essa
pergunta, torna-se necessário recorrer ao Artigo 135 da Lei Nº 5869 (CPC), que
diz:
Art. 135 - Reputa-se fundada a suspeição de
parcialidade do juiz, quando:
I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;
III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;
V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;
III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;
V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Assim, conhecendo os motivos que poderiam levar um
Juiz a se declarar impedido por suspeição de parcialidade, vamos analisar quem
foi o Presidente que nomeou cada um dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Ricardo Lewandowski, Presidente do STF (nomeado por Lula), Carmem Lucia
(nomeada por Lula), Celso de Mello (nomeado por Sarney), Marco Aurélio (nomeado
por Fernando Collor), Luis Fux (nomeado por Dilma Rousseff), Rosa Weber
(nomeada por Dilma Rousseff), Teori Zavasck (nomeado por Dilma Rousseff),
Roberto Barroso (nomeado por Dilma Rousseff), Edson Fachin (nomeado por Dilma
Rousseff), Dias Toffoli (nomeado por Lula) e Gilmar Mendes (nomeado por
Fernando Henrique). Ou seja, dos onze Ministros que compõem o atual Supremo
Tribunal Federal, cinco foram nomeados por Dilma Rousseff e três por Lula. Isso
quer dizer que oito Ministros do STF, poderiam estar incursos nos incisos I,
III, e V do Art. 135, e por essa razão deveriam declarar se impedidos de julgar
os recursos impetrados tanto a favor quanto contra Dilma. Podemos realmente
confiar em que a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal tem a
condição de imparcialidade necessária para o julgamento dos recursos da defesa
de Dilma Rousseff contra a legitimidade do impeachment ? Ou será que a
ex-Presidenta, como seu padrinho político, espera a “gratidão” dos Ministros
que ela e Lula nomearam? Afinal, quando em 16/03/2016 o plenário do STF julgou
o parecer do relator Luis Roberto Barroso mudando o rito do impeachment
estabelecido pela Câmara dos Deputados, com o argumento de que deveria se
seguir o rito estabelecido no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de
Mello, favorecendo assim à Presidenta Dilma, o resultado do julgamento
confirmou a mudança por 9 votos a favor e 2 contra. O STF pelo menos proibiu a
votação secreta para a escolha dos membros da comissão, mas, em compensação, deu ao Senado o poder de recusar a abertura do
processo, mesmo após autorizado pela Câmara dos Deputados, numa clara e
perigosa interferência do STF em assuntos que dizem respeito apenas ao Poder
Legislativo, na opinião de alguns dos mais renomados juristas brasileiros. No
rito confirmado pelo plenário do STF, ainda havia a esperança de que o Senado
arquivasse o processo de impeachment. Apenas "en passant", a
ex-Presidenta Dilma, em 19/03/2014, fez um agrado ao Ministro Marco Aurélio
(primo de Fernando Collor) nomeando Letícia Mello, sua filha, para o cargo de
Desembargadora do Tribunal da 2ª Região e passando na frente de dois advogados
consideravelmente mais experientes do que ela. Quando questionado sobre a
relativa pouca idade de Letícia para ocupar o cargo, o Ministro Marco Aurélio
ironicamente respondeu: “Se o problema da Desembargadora for a sua pouca idade
para ocupar o cargo, o tempo corrige”. Coincidência ou não, o Ministro Marco Aurélio
fez uma declaração em 30/03/2016, concordando com a ex-presidenta Dilma
Rousseff, de que sem processo jurídico o impeachment é um golpe, divergindo
frontalmente de outros cinco ministros do Supremo: Cármen Lúcia, Dias Toffoli,
Luís Roberto Barroso, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, que já disseram que
o impeachment é um instrumento legítimo para viabilizar a responsabilização
política de qualquer presidente da República.
Para concluir, vale a
pena lembrar que no caso do julgamento no Supremo Tribunal Federal da ação
penal contra o ex-Presidente Fernando Collor de Mello, os Ministros Marco
Aurélio Mello e Francisco Rezek se abstiveram de votar sob o argumento de que
foram indicados para o tribunal pelo próprio ex-Presidente. Como diria Cazuza, chegou
a hora de os Ministros do Supremo Tribunal Federal mostrarem as suas caras.
Finalmente saberemos se a corrupção endêmica contaminou de vez o último reduto
institucional da democracia brasileira. Se assim for, estamos definitivamente
perdidos.
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