domingo, 29 de março de 2020

A ESCOLHA DE SOFIA

É claro que a hora não é de perder o precioso e para muitos escasso tempo com brigas ideológicas, acusações, agressões, cobranças, teorias da conspiração, e defesa de medidas irreflexivas. A hora é de total serenidade, reflexão (psicológica), humildade (“só sei que nada sei”) e principalmente, solidadriedade. A hora é da percepção, conscientização e aceitação de que todos os seres humanos estamos sendo dizimados pela pior praga de todos os tempos, que, dito seja de passagem, o próprio homem ajudou ao longo dos dois últimos séculos a tornar mais letal, e de que não temos a menor noção de onde e quando vai parar, já que o índice mundial de contaminação por coronavírus por milhão de casos confirmados não pára de subir em todos os países do mundo. A grande diferença desta pandemia das outras pandemias até agora conhecidas pela humanidade é seu caráter realmente global. Nenhum país do mundo ficou livre de ser contaminado pelo coronavírus. Este fato coloca um ponto final em todas as diferenças entre os seres humanos. Aquele velho adagio (utópico) “somos todos iguais perante a lei” foi, por obra da natureza, transformado em “somos todos iguais perante o coronavírus”. Ninguém escapa. Não há exceção. Pela primeira vez na historia da Humanidade, todos os seres humanos são absolutamente impotentes perante uma ameaça à sua sobrevivência (stricto sensu, mais vida). É uma ação seletiva com o objetivo de varrer uma boa parte dos seres humanos da face da Terra. É um ataque fulminante, dirigido exclusivamente contra os seres humanos. Além do fato de que todos iremos morrer algum dia, a possibilidade de contágio pelo coronavírus é nosso traço em comum agora. O fator genético que nos torna absolutamente iguais.

A hora é dos únicos seres humanos capazes de nos dar uma mínima orientação de como proceder diante de um inimigo letal e invisível: os profissionais da saúde. Só eles têm a competência para tentar organizar uma estratégia que nos proteja minimamente desse patógeno. Mesmo sem conhecer o vírus, pois ele é totalmente novo, os profissionais da saúde há alguns séculos vêm desenvolvendo tecnologias capazes de anular as reações do ecossistema que visam preservar a sua integridade. Assim, qualquer outra autoridade que não seja da área da saúde, não tem competência nem legitimidade para estabelecer regras de conduta nem procedimentos em relação ao comportamento dos seres humanos para se proteger do coronavírus. Eles estão no comando. É uma situação de emergência global, que afeta toda a Humanidade e para cair a ficha do que está acontecendo vai levar bastante tempo. Mas, tempo é o que nós não temos. As ações devem ser imediatas, radicais e irrestritas, de acordo com a gravidade da situação. Um erro estratégico nas ações de prevenção da doença pode levar a morte prematura de dezenas de milhares de seres humanos, que vão viver menos quando poderiam viver mais. Do ponto de vista da medicina, até encontrar uma forma de combate eficiente, o coronavírus representa um retrocesso da Humanidade à época de Louis Pasteur (1822-1895).

É consenso absoluto entre os profissionais da saúde de todos os países do mundo e da Organização Mundial da Saúde que, por enquanto, a única forma de evitar a proliferação devastadora do coronavírus por todo o planeta é o isolamento dos seres humanos. Não existe outra alternativa. Mas, o isolamento social como forma de evitar a proliferação da doença tem um efeito altamente desestabilizador. Acontece que, devido ao desconhecimento total sobre o comportamento do coronavírus, não é possível determinar qual o tempo de isolamento necessário para poder controlar o vírus e, consequentemente, seu poder letal. O coronavírus apareceu no Hemisfério Norte ( pesquisadores chineses acreditam que o primeiro caso deve ter ocorrido no dia 17 de novembro de 2019) e só agora está começando a se desenvolver no Hemisfério Sul. A despeito do aparente controle do coronavírus na China quatro meses depois do começo do surto, muitos países altamente populosos do Hemisfério Norte, tais como Estados Unidos, Índia, Japão e Nigéria, para citar alguns exemplos, estão longe de ter alcançado seu nível de maior contaminação, sem contar com que na China, novos surtos de coronavírus voltaram a aparecer. Isto significa que não há a menor previsão de quanto tempo deverá permanecer a população em isolamento para se considerar a salvo do coronavírus. Quatro meses, seis meses, oito meses, um ano? Pior ainda, até descobrir uma vacina não será possível determinar quando a contaminação pelo coronavírus deverá ser considerada controlada em todo o planeta, já que poderá alternar ciclos de maior ou menor virulência entre o Hemisfério Norte e o Hemisfério Sul, tal como acontece com os vírus influenza (eles atacam mais no outono e no inverno).

É evidente que o isolamento da população como medida para controlar a expansão do contagio da população pelo coronavírus é uma medida que só pode ser adotada por tempo limitado, já que as consequências socioeconômicas para os países serão tanto mais devastadoras quanto maior for o período de isolamento das populações. Além do impacto do isolamento nas populações mais pobres que em pouquíssimo tempo não terão como se alimentar sequer. Quando esse momento chegar, e não estará longe nos países mais pobres, haverá uma completa desordem social com milhares de pessoas indo para as ruas tentando saquear supermercados, feiras, lanchonetes, restaurantes; ou seja, lugares onde exista algum tipo de alimento. Sem contar com a desestruturação da engrenagem produtiva que fará com que em pouco tempo comecem a faltar insumos básicos e gêneros alimentícios, que nenhum dinheiro do mundo poderá comprar. Ou seja; num compulsório nivelamento social, que nenhuma teoria econômica ou politica poderia remotamente imaginar, não haverá mais ricos nem pobres porque não haverá o que comprar ou vender, tal como aconteceu com o álcool gel e o papel higiênico nos supermercados de todo o planeta. É uma situação inacreditável, apenas recriada em filmes de ficção. Só que não é um filme de ficção, nem saímos do cinema para comer um Big Mac ou um Whooper na praça de alimentação do Shopping Center. É a dura realidade que apareceu de repente, de uma hora para outra, transformando totalmente de forma abrupta a vida de todos os seres humanos, sem termos a menor previsão de quanto vai custar socialmente e economicamente para a Humanidade a primeira aparição do coronavírus no planeta.

Não queria estar na pele de nenhum Chefe de Estado que terá que optar entre manter um isolamento compulsório da população por tempo ainda indeterminado, o que causará uma comoção social e uma desestruturação da economia dos países de consequências imprevisíveis; ou, suspender o isolamento compulsório das populações antes de controlar a expansão do contagio pelo coronavírus, o que certamente será condenar à morte dezenas de milhares de seres humanos, além do colapso do Sistema de Saúde, ambos os eventos também de consequências imprevisíveis. Por isso, não é justo julgar a escolha de Sofia.





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